segunda-feira, agosto 1

COLABORAÇÕES


ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
Candidaturas independentes ou um desafio ao regime democrático?
Estão previstas para o dia 9 de Outubro p.f. , eleições para as autarquias locais. A eleição por sufrágio directo dos representantes das comunidades locais nos respectivos órgãos de poder ao nível das freguesias e concelhos, interrompida durante a ditadura, é apontada como uma das conquistas da Revolução de Abril.

É inegável a vantagem, do ponto de vista democrático, da possibilidade de escolha entre as várias candidaturas apresentadas pelos Partidos Políticos, enquanto expressão da vontade popular, e a nomeação directa de apaniguados de um regime de partido único.
No entanto o aprofundamento da democracia não poderia excluir da participação na administração local os cidadãos não representados nos partidos políticos existentes.

Os sucessivos aperfeiçoamentos da legislação sobre autarquias locais na sequência das revisões da Constituição, no âmbito da duração de mandatos, atribuições e competências dos órgãos deliberativos e legislativos e recentemente sobre a limitação de mandatos, incluiu também a possibilidade de apresentação de candidaturas às Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia por grupos de cidadãos independentes.

A formulação deste tipo de candidaturas, cuja apresentação é desejável, só é justificada, quando os partidos políticos, espinha dorsal da democracia representativa, não representarem por qualquer motivo, um conjunto significativo de cidadãos, que, entre si, geraram uma dinâmica capaz não só de se apresentarem a eleições como contribuir para uma escolha verdadeiramente democrática por parte do eleitorado.

O que se afigura condenável é o aproveitamento que se está a fazer, actualmente, desta possibilidade legal. Refiro-me concretamente a candidaturas independentes a Câmaras Municipais anunciadas por políticos que entraram em rota de colisão com os partidos a que pertencem ou pertenciam por motivos que ultrapassam a normal relação política e se situam no âmbito judicial. Estas candidaturas representam, a meu ver, uma afronta aos partidos políticos e um desafio ao regime democrático.

A corrida, por conta própria, dos candidatos independentes, parece basear-se numa lógica de competência política de que os mesmos se arrogam, que não tem correspondência no voto popular, visto que não eleições autárquicas unipessoais uma vez que o voto foi expresso no partido a que os concorrentes pertenciam à data da eleição.

A mensagem que se pretende fazer passar e que suporta este tipo de candidaturas, por mais estranho que pareça, em zonas urbanas predominantemente habitadas por uma classe média, supostamente politizada, é a de que todos são corruptos, mas estes, pelo menos, fizeram obras importantes e favoreceram os mais pobres.

Trata-se de uma teoria que defende, na prática, uma actuação que se pode definir como um misto de Robin dos Bosques e Zé do Telhado, mas que no fundo põe em causa a Democracia ao meter no mesmo saco todos os autarcas.

È certo que há excepções, condenáveis, certamente, de autarcas corruptos. Mas estes merecem a punição respectiva do Poder Judicial e a expulsão dos partidos políticos a que pertencem, para além do repúdio da sociedade e não um prémio por um comportamento desviante em relação ao serviço público que juraram servir com lealdade quando foram eleitos.

A confirmarem-se este tipo de candidaturas independentes a Câmaras Municipais, poder-se-á correr o risco de conduzir à vitória quaisquer arrivistas a contas com a Justiça, que colocariam em causa o Poder Político e o Poder Judicial com o argumento do voto popular, cuja obtenção poderia ser conseguida por métodos populistas onde o caciquismo e um certo desencanto pelos políticos, que não conseguem resolver os problemas de cada cidadão, poderiam facilitar o acesso ao poder, a quem, em condições normais, não teria qualquer possibilidade.

(João Aurélio Raposo)

2 comentários:

  1. O problema é complexo. É fácil levantar suspeitas a qq autarca ou candidato, mas é necessário que a bem da democracia, pessoas que tenham processos de investigação, ou judiciais, não possam ser candidatos. A democracia não pode ser inocente.

    Jano, www.ultimafronteira.blogspot.com

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  2. Não será bem assim... O problema é complexo, de facto.

    A Lei até pode estar bem como está - no nosso sistema legal, até um arguido ser considerado culpado, presume-se sempre que é inocente -, por isso não seria justo penalizar alguém, não permitindo a sua candidatura, que por hipótese no dia a seguir às eleições fosse... absolvido!

    Os problemas são outros, quanto a mim: o mais grave é a lentidão da Justiça - gravíssimo! -, cuja resolução deveria mobilizar as maiores e melhores energias por parte do poder político; o segundo é de natureza política: como foi possível que partidos idóneos e supostamente responsáveis como o PS e o PSD tenham aceite candidatar pessoas como Fátima Felgueiras, ou Valentim Loureiro, nas respectivas listas? A sua notoriedade foi caucionada pelos partidos, que se aproveitaram indecentemente da sua popularidade para extraír dividendos eleitorais!

    É evidente que ainda não foram condenados, mas perante tantas suspeitas teria sido PEDAGÓGICO não aceitar essas pessoas como candidatas.

    Parabéns, por isso, à nova Direcção do PSD (e também do PS), que parece ter aprendido com os erros do passado (embora fosse possível ter ido ainda mais longe neste campo, veja-se o caso de Leiria, que ainda pode vir a dar problemas a Marques Mendes...).

    E, já agora, um aviso à navegação: quem tem a última palavra são os eleitores! Não se deixem levar por "cantos de sereia" e ponderem bem o que fazem, ao optar por candidaturas independentes! Como se costuma dizer, CUIDADO COM AS IMITAÇÕES (e o barato sai caro, não é?)...

    Melhor seria que, em vez de discutir apenas perfis e personalidades, os eleitores ELEVASSEM O NÍVEL DA DISCUSSÃO já nas próximas eleições autárquicas, exigindo o debate dos programas em concreto de cada candidatura, TENDO EM CONTA AS COMPETÊNCIAS DO ÓRGÃO A QUE CONCORREM, e não filosofias gerais sobre banalidades, ou "fait-divers" só para o "show-off", que é o que habitualmente domina as campanhas autárquicas...

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