sexta-feira, maio 30

Uma História Antiga

Era um dia quente de final de Maio de 1974, e sei que era sexta-feira. Naquela manhã, à chegada ao Externato Diogo Mendes de Vasconcelos, Alter do Chão, fomos todos convocados pelos mais velhos para a “Sala da Mocidade”, (nome pomposo para um rectângulo com armários nas paredes e uma desconjuntada mesa de ping-pong).
Não queriam ter aulas ao sábado, anunciá-lo ao director e se a reivindicação não fosse aceite, partir para a greve. Já estava tudo decidido. A nós, os mais novos, só nos restava segui-los, sob pena de levar uns “carolos” recusando-nos.
E lá fomos todos em bando para o gabinete do director, o senhor Padre Zé Maria (uma excelente pessoa). Lá chegados, alguém expôs a nossa (deles) reivindicação, sem esquecer de aludir à ainda terrível ameaça para aqueles tempos, a greve…
Recordo o ar divertido do director. Era para ele uma novidade, e inconcebível que um bando de fedelhos ousasse interpelar um respeitadíssimo representante de deus na terra. Naqueles tempos não era hábito misturar as águas. Um padre cumprimentava-se de cabeça baixa e chapéu na mão. E se alguém ousasse desrespeitar o costume, lá estava a GNR para o castigar. Muita coisa se resolvia com uma boa sova no Posto.
Então eu ouvi o Padre Zé Maria dizer-nos com um ar paternalista:
- Mas o que é isto? Guerra entre patrões e criados? Quem é aqui quem?
Fez-se um silêncio infindável. Naquela altura, os responsáveis pela baderna, já tinham recuado e deixado a frente da luta aos miúdos. Eu estava no meio da sala e ouvi-me dizer:
- Senhor director, não é uma questão de patrões e criados. Mas a haver patrões, somos nós. Nós é que pagamos.
O homem fez-se de todas as cores ante a afronta. Apontou-nos a porta da rua, e para as aulas já!
Depressa aconteceu a total desmobilização. Aliás os instigadores foram os mais lestos a obedecer. Ficámos 4 ou 5 em greve. Suficientemente poucos para ser possível chamar os pais. O meu pai chegou de motorizada por volta das 2 horas e disse o óbvio:
- Eu pago para estudares, não p’ra fazer greves. Já p’ra aula.
Não havia volta a dar. Subi a escadaria, bati à porta da sala grande, aula de história da Dona Mabília e pedi licença para entrar. Olhei para os meus colegas, e com uma terrível vontade de chorar, disse:
- Estou aqui porque fui obrigado.

E assim terminou, sem honra nem glória, o meu primeiro acto político.

3 comentários:

  1. Bela história!


    Bons tempos, esses...


    Um abraço,


    Marçal Alves.

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  2. Foi bom rever mentalmente os locais, as pessoas e as situações.

    Saudades? sim...... apesar de todos os amargos de boca que senti neste colégio, reconforta-me lembrar esse tempo.

    Manuela Moutoso

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  3. Também eu nesses tempos fiz greve, em 1975 fui piquete de greve no Liceu de Caldas da Raínha. Que orgulho estar à porta a impedir a saída dos colegas, eu que era uma miúda a colaborar com os mais velhos e envolvida na "luta académica". Bons tempos!

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