sábado, abril 9

COLABORAÇÕES

REGIONALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
Está na ordem do dia a Reforma da Administração Pública. A necessidade da sua realização vem sendo referida desde o início do século XIX e foi retomada pelos principais partidos políticos na última campanha eleitoral que se realizou em 20 de Fevereiro p.p..
Para se saber do que estamos exactamente a tratar, recuemos no tempo e vamos recordar o que nos diz Eça de Queiroz sobre o assunto numa das "farpas" que escreveu em Janeiro de 1872:
"O Sr. Luciano de Castro, chefe da oposição, fez no relatório que precede o seu projecto de Reforma Administrativa, uma exposição sombria da administração do País. Aí confessa que acabou a fé política e a dignidade política; que não existem partidos com idéias, mas facções com invejas; que o País está desorganizado e entregue ao abandono; que cada reforma cai sucessivamente com cada Governo; que as leis são um aparato de eloquência parlamentar e não uma eficácia de organização civil....Enfim - que o País chegou à última decadência administrativa . Registemos esta preciosa declaração do chefe da oposição. Vamos guardá-la como uma jóia - em algodão .
O Sr. Sampaio, ministro do Reino, no relatório do seu projecto de Reforma Administrativa, declara que a Administração, como está, é uma confusão vergonhosa, uma desorganização funesta, um abandono mortal....Enfim - que o País chegou à última decadência administrativa .
Registemos esta confissão sincera do Sr. ministro do Reino, vamos guardá-la, como um bicho precioso - em espírito de vinho.
Resultado: O ministro do Reino e o chefe da oposição declaram oficialmente o País num estado deplorável de administração.
Ora nem a reforma do Sr. Luciano se efectuará, nem a reforma do Sr. Sampaio se realizará . De tal sorte que resta? Que estamos num abominável estado de administração - segundo confessa o Governo e segundo confessa a oposição e que ficamos nesse estado !
É risonho ".
Voltando ao tempo actual não podemos afirmar que nos encontramos exactamente no mesmo estádio civilizacional de 1872 .Evidentemente que não. Agora os problemas são outros. Assistimos, presentemente, ao desenvolvimento do País a duas velocidades - uma na zona litoral caminhando para níveis de vida equiparados aos da média da Comunidade Europeia e outra no interior cada vez mais distante dos referidos níveis.
Para além destas duas grandes divisões - litoral e interior -não podemos esquecer as duas regiões autónomas insulares - Açores e Madeira -, cujo nível de desenvolvimento se aproximará, a curto prazo, da zona litoral do Continente .
Se nos lembrarmos que tanto os Açores como a Madeira eram incluídos nas zonas mais desfavorecidas de Portugal antes da Revolução de Abril de 1974, temos de concluir que a situação actual destes arquipélagos se deve ao Estatuto Político e Administrativo que lhe foi conferido pela Constituição da República e aos acordos conseguidos pelos respectivos Governos Regionais junto dos Governos da República para que em sede de Orçamento do Estado fosse considerado o factor insularidade no financiamento destas Regiões .
Assim, só com a aplicação de factores que favoreçam o financiamento das zonas interiores, designadamente do Alentejo, será possível proceder ao desenvolvimento harmonioso de todas as Regiões. Tal não parece, no entanto, viável sem a criação de Regiões com um Estatuto idêntico ao das actuais Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Deste modo, parece que é chegado o tempo de se dar cumprimento ao imperativo constitucional sobre a regionalização do País, para o qual existem actualmente, todas as condições políticas, incluindo um consenso alargado, que permitem a aprovação de novo referendo sobre o assunto.

(João Aurélio Raposo)

3 comentários:

  1. tenho sono...
    Passei para deixar um beijo, BShell

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  2. "ACORDAI, HOMENS QUE DORMIS!" (José Gomes-Ferreira)


    Mesmo saltando por cima dos aspectos menos relevantes, para aligeirar o texto, muitos comentários me são suscitados por esta valiosa colaboração do caro amigo João Aurélio Raposo, de que infelizmente só agora me apercebi...

    Vamos por partes. A Reforma da Administração Pública não consiste nem se esgota, obviamente, na Regionalização. Mas pode e deve incluí-la, com a maior brevidade.

    A Regionalização é, quanto a mim, um imperativo nacional, mas não só por razões de desenvolvimento equilibrado do território do Continente. É-o sobretudo por razões de natureza Política. Explico porquê.

    O desenvolvimento verificado efectivamente, nos últimos trinta anos, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, pode considerar-se em grande parte devido à descentralização operada, mas igualmente porque se tem registado um desproporcionado FAVORECIMENTO destas duas Regiões por parte dos Governos da República, por motivos que, sinceramente, só posso relacionar com uma certa cobardia política, associada a um eventual receio (patético) de se virem a desenvolver movimentos independentistas (que, está hoje provado, seriam economicamente insustentáveis).

    Nada prova que, com uma distribuição mais justa e equilibrada dos dinheiros públicos, esse desenvolvimento não se tivesse conseguido, como também nada garante que, com a criação de poderes regionais no Continente, os mesmos venham a ser, automaticamente, tão eficazes como os das Regiões Insulares.

    Creio mesmo que não será apenas pela falta de meios financeiros (que até têm existido, canalizados pelas actuais C. C. D. R.'s) que as Regiões do Interior persistem no seu atraso.

    Mas apesar disto é óbvio que a criação de Regiões Administrativas no Continente dará sempre um impulso, maior ou menor, ao desenvolvimento do Interior.

    No entanto, ele poderia igualmente ser obtido a partir de políticas adequadas de desenvolvimento regional levadas a cabo pelo Governo Central, o que contudo ainda nunca foi experimentado em Portugal, por razões que ultrapassam a questão do centralismo.

    O que não pode mesmo ser obtido sem a Regionalização é, porém, a satisfação do princípio democrático da SUBSIDARIEDADE, no qual se fundamenta aliás a construção europeia, que estabelece que, por imperativos de transparência e JUSTIÇA da vida democrática, uma decisão que possa ser convenientemente tomada num determinado nível não DEVE subir a um nível superior de decisão!

    Trata-se, portanto, de uma questão do foro eminentemente político. Mas cuja solução terá, por seu turno, de ser essencialmente de carácter técnico (o que, de um modo geral, irrita profundamente os nossos políticos, e ESTA É QUE É A VERDADEIRA QUESTÃO!).

    Por último, não concordo que exista qualquer consenso actualmente na Sociedade portuguesa quanto a este assunto, antes pelo contrário, pelo simples facto de ainda ninguém ter sido convenientemente esclarecido sobre a matéria, POR CULPA EVIDENTE DA CLASSE POLÍTICA, que não começou sequer a preocupar-se em discuti-lo, seriamente.

    Mas nunca é tarde, por isso eu me bato por que se inicie, quanto antes, um novo debate público sobre esta problemática, que de uma vez por todas a transporte para o domínio da lógica e da racionalidade, eliminando os mitos e receios com que tem sido intoxicada, deliberadamente, a opinião pública, para que, TÃO BREVE QUANTO POSSÍVEL (e estou esperançado de que o Sócrates consiga trazê-la para a agenda das próximas legislativas), seja implementada "em concreto" (como dizem, cinicamente, os constitucionalistas...), a tão esperada Regionalização.

    Que não vai resolver os problemas, por milagre, mas pelo menos poderá contribuir para tornar mais transparente a nossa vida pública, e também mais consentânea com a realidade (banal) dos Países nossos parceiros na União Europeia (pelo menos dos 15), evitando assim o contínuo alheamente e distanciamento dos cidadãos face à política.

    Voltarei a este tema, mais concretamente, no meu "blog" (www.evolucoesdeabril.blogspot.com)

    Um abraço fraterno e alentejano.

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  3. Só mais duas achegas: não considero indispensável a realização de um novo Referendo sobre o assunto! Trata-se de matéria constitucional já consagrada e sem qualquer discussão (à altura). O Referendo só deverá realizar-se como mero reforço do que a Constituição já determina (e também porque, desgraçadamente, houve o tal outro, tão mal conduzido...) e, quanto a mim, partindo do princípio de que a população está adequadamente esclarecida sobre o assunto e também na condição óbvia de, caso mesmo assim volte a haver um NÃO, sejam levadas até ao fim as suas consequências políticas, ou seja, como é da mais elementar justiça (já o era EM 1998!!), e porque nunca o Povo foi antes consultado sobre as mesmas, SEJAM NATURALMENTE EXTINTAS AS REGIÕES AUTÓNOMAS DOS AÇORES E DA MADEIRA.

    Segundo, o modelo de Regionalização do Continente não deverá ser, em rigor, idêntico ao das Regiões Insulares, por nada justificar, nesse caso, o epíteto "Autónomas" que estas ostentam.

    Porque, na realidade, no Continente as Regiões deverão ser apenas Administrativas, evitando-se assim a conotação "desegregacionista" do termo "Autónomas" (que só os muito especiais condicionalismos geográficos dos Arquipélagos justificam), isto é, Autarquias Locais de nível Regional (como se vê, mesmo entre os defensores da Regionalização ainda há muito a discutir...).

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