quarta-feira, janeiro 19

MENSAGEM - Fernando Pessoa

BRSÃO – II OS CASTELOS

ULISSES

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.

1 comentário:

  1. ULISSES : andei doida à procura de uma interpretação formal e comentada para este poema.. partilho aqui com todos o que encontrei: http://www.navedapalavra.com.br/resenhas/sobremensagem1.htm
    e ainda alguns acrescentos mais leves A`interpretação do mesmo:
    "O mito é o nada que é tudo"- esta frase exprime a ideia que Fernando Pessoa tinha dos mitos como potenciais motores sociológicos. Mesmo se falso (isto é, mesmo que não seja nada) um mito tem o potencial de provocar comportamentos sociais e, portanto, facilitar a evolução de uma nação segundo determinados factores.
    "O mesmo sol que abre os céus...etc"- provável referência aos deuses solares (ou mitos afins) que todos os dias eram supostos renascer à alvorada, depois de terem "morrido" no poente anterior.
    "Este que aqui aportou"- referência a Ulisses, herói lendário da Odisseia e fundador mítico de Lisboa, onde teria aportado numa das suas navegações ("Lisboa" deriva de Olissipo e Ulixbona- em cuja raiz alguns creem ver o nome de Ulisses ou Odisseus).
    "Foi por não ser existindo"- porque não era, foi existindo; foi-se insinuando na nossa realidade.
    "a fecundá-la decorre"- a lenda tem uma interacção positiva com a realidade; "A vida, metade de nada, morre"- a vida por si só nada vale porque logo desaparece (mas o mito persiste!).

    espero que possa ajudar alguem e poupar algum tempo

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