segunda-feira, dezembro 7

Ary


Faria hoje 72 anos

3 comentários:

  1. Poeta Castrado, Não!

    Serei tudo o que disserem
    por inveja ou negação:
    cabeçudo dromedário
    fogueira de exibição
    teorema corolário
    poema de mão em mão
    lãzudo publicitário
    malabarista cabrão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado não!

    Os que entendem como eu
    as linhas com que me escrevo
    reconhecem o que é meu
    em tudo quanto lhes devo:
    ternura como já disse
    sempre que faço um poema;
    saudade que se partisse
    me alagaria de pena;
    e também uma alegria
    uma coragem serena
    em renegar a poesia
    quando ela nos envenena.

    Os que entendem como eu
    a força que tem um verso
    reconhecem o que é seu
    quando lhes mostro o reverso:

    Da fome já não se fala
    --- é tão vulgar que nos cansa ---
    mas que dizer de uma bala
    num esqueleto de criança?

    Do frio não reza a história
    --- a morte é branda e letal ---
    mas que dizer da memória
    de uma bomba de napalm?

    E o resto que pode ser
    o poema dia a dia?
    --- Um bisturi a crescer
    nas coxas de uma judia;
    um filho que vai nascer
    parido por asfixia?!
    --- Ah não me venham dizer
    que é fonética a poesia!

    Serei tudo o que disserem
    por temor ou negação:
    Demagogo mau profeta
    falso médico ladrão
    prostituta proxeneta
    espoleta televisão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado não!

    José Carlos Ary dos Santos

    ResponderEliminar
  2. Tive o prazer em 1972 de almoçar num restaurante, perto da Fundação Gulbenkian, onde estava Ary dos Santos e alguns amigos.
    O restaurante pertencia a umas senhoras de Portalegre e servia comida alentejana.
    Eu estava com o professor Virgílio Pinto meu colega de trabalho, que tinha sido professor da escola primária, em S.Pedro do Sul, do Dr. Carlos Carvalhas mais tarde Secretário Geral do PCP. Na parte final do almoço o meu amigo fez um brinde acompanhado de um grande elogio ao poeta Ary dos Santos.
    Á saída sempre pensei de sermos incomodados, mas não tudo correu bem e lá regressámos a Alvalade onde trabalhávamos e onde hoje se situa o Conselho Nacional de Educação.

    ResponderEliminar
  3. Ecce Homo

    Desbaratamos deuses, procurando
    Um que nos satisfaça ou justifique.
    Desbaratamos esperança, imaginando
    Uma causa maior que nos explique.

    Pensando nos secamos e perdemos
    Esta força selvagem e secreta,
    Esta semente agreste que trazemos
    E gera heróis e homens e poetas.

    Pois Deuses somos nós. Deuses do fogo
    Malhando-nos a carne, até que em brasa
    Nossos sexos furiosos se confundam,

    Nossos corpos pensantes se entrelacem
    E sangue, raiva, desespero ou asa,
    Os filhos que tivermos forem nossos.

    José Carlos Ary dos Santos

    ResponderEliminar