quinta-feira, agosto 20

Dez Réis de Esperança

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos á boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue

(António Gedeão)


PS: Não me tirem os meus "dez réis de esperança". Ou matam-me.

3 comentários:

  1. Mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realização.
    (Martin Luther King).

    Para um lutador...

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  2. "Recuso-me a aceitar o que me derem.
    Recuso-me às verdades acabadas;
    recuso-me, também, às que tiverem
    pousadas no sem-fim as sete espadas.

    Recuso-me às espadas que não ferem
    e às que ferem por não serem dadas.
    Recuso-me aos eus-próprios que vierem
    e às almas que já foram conquistadas.

    Recuso-me a estar lúcido ou comprado
    e a estar sozinho ou estar acompanhado.
    Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

    Recuso-me à inocência e ao pecado
    como a ser livre ou ser predestinado.
    Recuso tudo, ó Terra dividida!"

    Jorge de Sena, in 'Coroa da Terra'

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